sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

D e s p a l a v r a

Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra/daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas./daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaro./ daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapo./ daqui vem que todos os poetas podem ter qualidades de árvore./ daqui vem que os poetas podem arborizar pássaros.
*daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas./ daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas./ que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré-musgos.
*daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos./ que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afetos.

[Manoel de Barros]

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Divina Normalidade

Caía a chuva hoje de manhã, os pássaros cantavam indiferentes a correia e agitação dos que batalham o futuro. Barulho de carros, buzinas, cachorro rasgando o saco do lixo em busca do alimento. Dois homens conversando sobre a peça do caminhão que lhes deram dor de cabeça no dia anterior. Uma mulher pensativa carregando um litro de leite em uma sacolinha de plástico. A água escorrendo suja no meio fio do passeio. Uma bunda bonita de mulher, um belo arranjo de flor na janela, o cheiro de suor misturado com o molhado da chuva no corpo dos que faziam a caminhada desprevenidos, uma Kombi enferrujando na chuva.
Passando pela Ponte do Bezerrão, enquanto o real da realidade me assaltava, senti sua presença suprema aparentemente ausente nisso tudo. Fechei os olhos e me brotou no rosto um sorriso de contentamento.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Natimorto


A 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, nos trouxe uma grata surpesa. Surpresa pra mim, ao menos, que não conhecia o trabalho do escritor, quadrinista e, há algum tempo, ator Lourenço Mutarelli. Me refiro ao filme Natimorto, entusiasmadamente aplaudido pleos que o assistiram na Tenda à noite do dia 24/01. Estranhamente o filme não foi escolhido enttre os grandes vencedores, nem pela crítica, nem pelo juri popular.
O filme, a exemplo de “O Cheiro do Ralo” é uma adaptação de um romance de Mutarelli. “Natimorto” já havia sido convertido em peça teatral em 2007, antes de chegar ao cinema pelas mãos do diretor Paulo Machline.
A trama conta com apenas três personagens – um, por assim dizer, caça-talentos, o Agente, vivdo pelo prórpio Lourenço Mutrarelli; uma cantora lírica (Simone Spoladore) e a mulher do agente (Betty Gofman). Mutarelli já havia feito pontas em filmes como “O Cheiro do Ralo” e “É Proibido Fumar”, entretanto, sua atuação como protagonista em “Natimorto” é surpreendente. É bem provável que muitos criticos manifestem opiniões contrárias, mas o jeito com que encarnou o Agente foi adimirável pela forma simples, sem grnde excessos, mas não destituída de emoção. Talvez, assim tenha sido pois ele , de alguma forma, já tinha “vivdo” a personagem.
A forma como é construída lingüísticamente a trama é única e digna de aclamação. Na história um Agente encontra uma cantora lírica a quem elege como musa, voz pura que só ele poderia compreender. Ao perguntar se ela ‘ainda’ fumava, o Agente expõe sua opção por ser fumante convicto e mais, fala de uma relação entre as imagens da propaganda anti-tabagistas dos maços de cigarro e os Arcanos maiores do tarô. Assim, pelas asquerosas imagens contidas em cada maço de cigarros seria possível prever o futuro, pelo menos do dia. Ele compara, por exemplo, a figura do homem que, não conseguindo respirar, afrouxa sua gravata com a do Enforcado. Isso seduz de imediato a cantora que, num jogo de humor do autor, diz por mais de uma vez que ele deveria escrever um livro. Mas o Agente não tem intenção de escrever um livro para os outros lerem. Pela ‘leitura’ dos maços de cigarros ele escreve e dá significado a sua vida, construindo o possível destino para seu dia.
É dessa maneira que o Agente propõe a cantora viverem sós num quarto de hotel. Ele não teria que enfrentar a sua mulher, com quem tinha péssima relação, nem o mundo em geral, podendo sua musa eleita, da mesma forma, se livrar das vaias e tomates do público. E para garantir a conclusão de sua proposta ele faz questão de se dizer assexuado, ou pelo menos, com o intuito de assim ser. Inicialmente a relação parecia perfeita – aliás como quase toda relação quando se inicia. A leitura diária das imagens do cigarro e a construção de um destino único para os dois, isolados do mundo aparentemente seria a vida ideal. Mas as coisas se desarranjam na medida em que a cantora quer ter uma vida além da vida no apartamento.
O filme pode ser visto, dentre outras possibilidades, como uma alegoria da vida e do amor romântico. O Agente elege uma musa a quem somente ele compreenderia e a partir dela e da leitura dos “Arcanos” constrói significado pra sua vida sem sentido. Através da figura do Natimorto isso fica, talvez, mais evidente, pois o feto que não veio a vida fora do útero teve uma vida ideal, desprovida de sofrimentos. Assim também é a busca do Agente, uma vida distanciada dos sofrimentos. Por isso ele elege um ideal – sua musa –a quem, curiosamente só ele entenderia e daria o ‘verdadeiro’ valor. No entanto, a fuga do sofrimento, como já foi versado por diversas filosofias orientais, só incorre no prórpio sefrimento.
Sem querer contar o desfecho, fica aqui a sugestão para que assistam a esse excelente filme e tirem suas próprias conclusões. Longe de conter uma única interpretação esse filme – como toda obra, aliás – enseja múltiplos significados. E como o própro Agente, cada um constrói seus prórprios sentidos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Revistas e Jornais, blogs e sites

Há uma década atrás, vivendo na Paulicéia Desvairada, uma vez por mês sofria um golpe cultural e, sobretudo, político, ao ler a revista Caros Amigos.
Não sei a quantas anda a publicação (na minha cidade atual, não há uma morta banca de jornais em que chegue a revista e no site da internet, eu posso apenas ler algumas matérias livres), mas, para quem lia durante todo o mês o Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, ler aquelas matérias era uma forma de abrir os olhos para a diferença e diversidade cultural – para usar palavras brandas e politicamente corretas – e, principalmente, para considerar a forma como dados são manipulados decaradamente e informações distorcidas.
Quantas vezes me pegava relendo uma matéria do jornal diário ou revista semanal para tentar encontrar em que parte da notícia estavam os dados que levavam aos títulos bombásticos e as conclusões tautológicas.
Entretanto, ao mesmo tempo em que viver em uma cidade do interior praticamente impossibilita o acesso a algumas revistas, que não são distribuídas (e aqui surge outra questão para outro momento), a internet possibilita uma democratização do conhecimento inimaginável há algumas décadas, ou há uma década atrás.
Destaco só alguns sites e blogs que merecem leitura, ao menos semanal, pois possibilitam ao leitor estabelecer uma forma de ler o mundo político-econômico-cultural de uma forma diversificada: Observatório da Imprensa, Blog do Luis Nassif, Vi o mundo, Vermelho, Carta Maior, Carta Capital, Cloaca News, Brasília eu vi, Conversa Afiada, FBI – Festival de Besteira na Imprensa, e tantos outros, como a Caros Amigos, não esqueço.
Velhos e rançosos tempos aqueles em que – para ter uma percepção mínima da pluralidade do mundo – possuía poucas alternativas, dependendo de distribuidoras que, muitas vezes, estavam e estão ainda mais associadas aos grandes grupos midiáticos (vide o acordo de distribuição entre Estadão e Folha, em São Paulo).

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Imagem

Sou Barroca de nascença
De almas múltiplas.
Tríplice Aliança.
Réplica, súplica.
Sigo imaculada.

Minha Trindade não é Santa,
nem eterna.
Movimenta-se como as areias do Deserto.
Minhas verdades revestem-se de estranhas máscaras.
Tão contraditórias verdades.

Sou de barro.
Maleável.
Tridimensional.
Metamórfica.

Peco por não ser única.
Eu mesma.
Trindade que se desdobra.

Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo,
Tende piedade desses tantos nós.

Oportunidades oferecidas...

Mas o espírito por nada pede.


Não imaginar-se fazendo um caminho que não é seu.


Nos últimos tempos algo incomoda.


Passar pelos dias que parecem iguais...


Normalidade e a tranqüilidade pesam para o espírito

que ainda não abriu os olhos.


Num tempo atrás, buscaram refúgio na distração...

Mas hoje, os dias passam por através...

E sente que algo se desintegra a medida que as coisas fluem.

É aquilo que não deixa ver a vida como ela é.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

“O viajante árabe é totalmente diferente de nós.”(...)

“O viajante árabe é totalmente diferente de nós. O trabalho de se mover de lugar para lugar é um mero incômodo pra ele, ele não sente prazer com o esforço, e resmunga de fome ou fadiga com todas as suas forças. Nunca persuadiremos um oriental de que , apeado de seu camelo, é possível ter algum outro desejo que não seja acocorar-se em cima de um tapete(isterih), fumando e bebendo. Além do mais, o árabe fica pouco impressionado pela paisagem”

Incapaz de ler sem expor minha condição parcial de ser um leitor informado pela teoria pós-colonial, considero que o texto citado expressa aquela velha e generalizante perspectiva orientalista de construir o outro no mundo e o mundo dos outros como parte de uma diversidade a qual deveriam ser levadas as luzes da razão, da ciência e do modelo econômico liberal.
Não precisamos ir muito longe para ler outros textos com tal perspectiva imperialista, pois a representação (e se trata de uma representação, do processo de construção de uma imagem do outro de nossa cultura que se torna generalizada [ou será que o texto reproduz uma idéia já generalizada]) do árabe se assemelha, deveras, a representaçao clássiva do baiano (ou do indio indolente, no período colonial e ainda hoje). Quando este baiano é representado no seu modelo tradicional e essencialista.
"ele não sente prazer com o esforço, e resmunga de fome ou fadiga com todas as suas forças".
Lembro-me de relato de uma pesquisadora que analisava os arquivos de JOrge Amado, na casa Jorge em Salvador, e que teve o acesso aos arquivos proibidos.
A justificativa é que o setor específico do arquivo em que ela estava a pesquisar seria reformado, só esse setor.
O mais curioso é que sua pesquisa tinha como objetivo nos apresentar uma versão outra do escritor Jorge Amado, bem diferente daquele senhor gordo e bonachão, que, de certa forma, associamos ao Baiano.
Será que minha digressão acaba por ser parcial e preconceituosa acerca do processo de construção das identidades - nacionais ou regionais.
Contudo, em tempos de imperialismo americano e de demonização do mundo árabe [Nossa, mas este texto esta sem a mínima objetividade científica, pois mistura árabes, baianos, índios, indianos, negros, mulheres (ops, estes três não haviam nem sido citados ainda, é melhor eu parar], a representação do árabe não deixa de ser uma outra forma de construir o outro e justificar o processo civilizador, imperialista e colonizador.
HTTP://brasiliandando.blogspot.com
(Obrigado a Simone pelo acesso ao texto do escritor inglês)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A escrita e a web (?) - versão 2

A escrita em tempos de e-mails, blogs, orkus, twitter e afins quase sempre necessita ser produzida com rapidez, brevidade e objetividade – por mais que seja pessoal e íntima. Com isso, surge em mim certa crença de que a pressa e a superficialidade associasse a web. Certa nostalgia, talvez, das velhas cartas escritas na Remington portátil que o Seu Mateus e a D. Alzira me deram de presente quando fiz doze anos.
Primeiro havia a necessidade de rascunhar a mão, depois datilografava – com bastante calma, para não ter que recomeçar tudo de novo [Ah! Que alegria não ter que ouvir mais aquele disparo, quando, em uma carreira, a máquina pulava alguns espaços e me fazia errar]. Assim, a paciência era atributo essencial para não perder o fio da meada.
Naqueles tempos que não me eram pós-modernos, minhas idéias (selvagens e vivas) precisavam de controle para que não perdesse o caminho que delineara. Não tinham autorização para vagarem e errarem por lugares desconhecidos, sem curatela. Hoje (relativamente controladas, domesticadas e mortas), ela já podem sair de casa e procurar novos caminhos, pois, estéreis, quase nunca trazem riscos para mim e menos ainda para outros.
No entanto, voltemos ao assunto e paremos com esta digressão nostálgica. Afinal, o assunto era para ser, do início ao cabo, a pressa da escrita e a dificuldade de reservar tempo para refletir e escrever com paciência. O risco que hoje me assombra é twitterianamente tornar-me excessivamente rápido e, ao mesmo tempo, rasteiro.
Nessa pressa, há o constante risco de adesão ao “fast-thinking”, com a produção em massa de respostas prontas e padronizadas, para problemas e questões originais, ou no mínimo que precisam ser repensadas a partir de novos padrões. Nesse processo, produzir textos com afobação – que relaciono a mídia (como uma forma de defesa) – e desespero de falar (para quem?).


Ontem enquanto seguia de volta para casa, me peguei tocando com as mãos o mato crescido ao longo do passeio. Mudei meu trajeto e fui por outro caminho para ver uma Brasília verde que estava a venda. Enquanto isso, me passou pela cabeça que eu não tinha para onde ir, que não precisava chegar a tempo de nada. Que era só mesmo aquele momento...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



O que daria mais valor ao suco

que está pela metade em uma

vasilha na porta da geladeira

se não você?